Da série "Itans de Ifá que todos deveriam conhecer"...
Èsé Ìtòn Ogbè Ìyonú
ORUNMILÁ ESCOLHE A BENÇÃO DA PACIÊNCIA.
(Odu Ogbè Ìyýnú)
Igun(2),
primogênito de Olodumare que é Agotun(3), aquele que faz da chuva uma
fonte de riqueza adoeceu gravemente. Olodumare fez tudo que pôde para
curar seu filho, sem obter sucesso. Cansado, abriu-lhe a porta do aye(4) para que ele fosse morar lá onde talvez pudesse encontrar cura para seus
males. Na terra residia então, um homem muito bondoso chamado Orunmilá(5) que precisava muito ganhar dinheiro para criar seus filhos. Por essa
razão Orunmilá foi consultar Ifá. Seus adivinhos o aconselharam a fazer
um sacrifício com cinco galinhas. Fazendo esse ebó, no quinto dia, toda
a riqueza desejada chegaria às mãos.
As galinhas deveriam ser
sacrificadas, uma a uma, diariamente, até completar cinco dias. Cada
galinha sacrificada teria as vísceras retiradas e colocadas em uma
cabaça, coberta com azeite de dendê e levadas a uma encruzilhada.
As
carnes das galinhas poderiam ser comidas por ele e sua família. Sempre
que fosse entregar a ofenda na encruzilhada, Orunmilá deveria ir
cantando bem alto até chegar a encruzilhada onde seria entregue a
oferenda: “Que a sorte venha a mim, que a sorte venha a mim”! Esse
procedimento deveria se repetir por cinco dias.
Orunmilá fez conforme
foi orientado. Assim ele começou a oferecer o seu sacrifício.
Sacrificava as galinhas e, cantando, levava suas vísceras para a
encruzilhada. Lá chegando, depositava a oferenda e despejava o azeite de
dendê por cima. Depois de colocar o azeite começava a rezar pedindo que
a sorte chegasse para ele.
Havia um matagal em frente à encruzilhada
onde Orunmilá entregava as oferendas e era ali, exatamente ali, que
vivia desde que veio do Orun, Igun, o filho de Olodumare.
Sem meios de
sobrevivência Igun passava fome, e assim que Orunmilá deixava as
oferendas e saia dali, Igun ia lá e comia tudo.
Igun, filho de
Olodumare, tinha cinco doenças: Uma na cabeça, outra nos braços, outra
no peito, outra nas costas e era aleijado dos pés.
No primeiro dia em
que comeu a oferenda de Orunmilá, viu-se curado do problema que tinha na
cabeça e surpreendeu-se. No dia seguinte Orunmilá levou novamente sua
oferenda à encruzilhada repetindo os mesmos rituais sem saber que alguém
comia o que ali despachava.
Assim que Orunmilá saiu da encruzilhada,
Igun foi lá e comeu tudo de novo. Os dois braços de Igun que não
esticavam, depois de ele ter comido da oferenda, recuperaram a
mobilidade.
No terceiro dia Orunmilá continuou seu rito, levando sua
oferenda na encruzilhada. Mal terminara de arriar o ebó Igun foi lá e
comeu a oferenda. Desta vez, o peito de Igun, que era inchado, desinchou
assim que acabou de comer.
No quarto dia Orunmilá levou seu ebó a
encruzilhada, sempre cantando: “Que a sorte venha a mim! Que a sorte
venha a mim”! Mal terminara de colocar o ebó no chão, Igun foi lá e o
comeu. Assim que acabou de comer, a corcunda que havia em suas costas
desapareceu.
No quinto dia Orunmilá levou sua oferenda até a
encruzilhada para completar os rituais. No caminho foi cantando o mesmo
refrão dos dias anteriores e como das vezes anteriores, mal terminara de
colocar o ebó na terra e Igun foi lá novamente e o comeu todo.
Na manhã
do sexto dia seus dois pés aleijados haviam ficados sãos e ele passou a
andar sem dificuldades. Começou a caminhar por todos os cantos. E foi
assim que Igun, o filho de Olodumare, foi curado de todas as doenças.
A
sorte pretendida por Orunmilá, antes de chegar a ele, chegou ao outro,
que se alimentou com a comida ofertada. Impressionado com esses fatos
Igun levantou-se e foi ao Orun para encontrar-se com Olodumare. Este,
logo percebeu que o filho estava curado e lhe perguntou quem o curara.
Igun relatou todo o ocorrido a seu Divino Pai. Disse-lhe que quem
entregava as oferendas era Orunmilá e acrescentou que sempre que
Orunmilá levava o ebó na encruzilhada ele entoava o refrão – “Que a
sorte venha a mim, que a sorte venha a mim”!
Olodumare mostrando-se
grato, disse a Igun que presentearia essa pessoa com riquezas. Pegou
então as quatro cabaças com dons e graças, e as entregou a Igun para que as levasse a Orunmilá no aye, recomendando que Orunmilá poderia
escolher apenas uma das quatro cabaças e Igun deveria trazer de volta as
três restantes.
Nas cabaças estavam contidos os ires(6) DA riqueza, DA
fertilidade, DA longevidade e DA paciência.
Igun disse a Olodumare que
não sabia chegar à casa de Orunmilá e o pai o orientou dizendo que,
assim que chegasse ao aye, perguntasse as pessoas e elas indicariam o
caminho. Igun voltou para o aye trazendo as quatro cabaças.
Ao chegar
foi à casa de Orunmilá e lá as mostrou a ele para que encolhesse uma
dentre as quatro.
Orunmilá se surpreendeu muito. Em dúvida quanto ao que
fazer, mandou chamar os filhos a fim de lhes pedir conselho sobre qual
das quatro deveria escolher e eles recomendaram que escolhesse a cabaça
DA longevidade.
Consultadas as esposas, elas o aconselharam a escolher a
da Fertilidade para que pudesse ter muitos filhos. Orunmilá chamou seus
irmãos a fim de lhes pedir conselho sobre qual das quatro deveria
escolher. Os irmãos o aconselharam a escolher a cabaça da prosperidade
para que pudesse ter muita riqueza e dinheiro. Orunmilá mandou chamar
seu melhor amigo e confidente, que era Exu.
Quando Exu chegou a sua
casa, Orunmilá relatou-lhe o ocorrido e lhe pediu conselho quanto à
escolha que deveria fazer.
Exu, homem sábio e sagaz, fez as seguintes
perguntas á Orunmilá: “Teus filhos te aconselharam a pedir qual cabaça”?
Orunmilá respondeu: “A da longevidade”. Exu lhe disse para não escolher
essa cabaça porque não há no mundo uma única pessoa que possa vencer a
morte, e lembrou que, por mais tempo que se viva, um dia se morre.
Exu
perguntou então: “E tuas esposas te aconselharam a escolher qual
cabaça”? Orunmilá respondeu: “A da fertilidade”. Exu lhe disse para não
escolher essa benção porque Orunmilá já havia gerado muitos filhos e
possuía uma prole invejável.
E Exu perguntou de novo: “E teus irmãos?
Aconselharam-te a escolher qual cabaça”? Orunmilá respondeu: “A que traz
o ire da prosperidade e da riqueza”. Exu lhe disse para não escolher
essa cabaça porque se ficasse rico eliminaria a pobreza da família
beneficiando assim todos os parentes, inclusive seus irmãos. Acrescentou
que se os irmãos de Orunmilá quisessem prosperar deveriam ir trabalhar.
Orunmilá perguntou então a Exu qual das quatro cabaças deveria
escolher, e Exu lhe disse para escolher o que continha a virtude da
paciência porque sua paciência era insuficiente para permitir que
chegasse onde desejava. Caso Orunmilá seguisse esse conselho e
escolhesse ter paciência, todos os ires restantes seriam conquistados
naturalmente.
Orunmilá, aceitando a orientação de Exu, escolheu a cabaça
da paciência e devolveu a Igun as três restantes. Nem os filhos nem as
esposas, nem os irmãos de Orunmilá ficaram felizes com a escolha.
Igun
partiu de volta ao Orun(7), levando consigo as três cabaças que sobraram
para devolvê-las a Olodumare.
Mal andara um pouco e a cabaça da riqueza
lhe perguntou: “Onde está a Paciência”? Igun respondeu que ela ficara na
casa de Orunmilá. Riqueza disse a Igun que voltaria para ficar com
paciência porque só pode permanecer onde estivesse paciência. Igun lhe
disse que isto era impossível e que riqueza deveria retornar com ele ao
Orun. Riqueza insistiu que só ficaria onde estivesse paciência e que,
por isso, não tinha porque retornar ao Orun. Em pouco tempo desapareceu
da mão de Igun indo juntar-se à paciência na casa de Orunmilá.
Igun
levou as cabaças restantes para Olodumare. A meio caminho do Orun,
Fertilidade também perguntou a Igun por paciência. Igun lhe respondeu
que ela estava na casa de Orunmilá. Fertilidade lhe disse que só fica
onde há paciência. Assim, fertilidade levantou-se e retornou para, em
pouco tempo, juntar-se à paciência na casa de Orunmilá.
Mais adiante,
Longevidade também perguntou a Igun onde estava paciência. Igun lhe
respondeu que estava na casa de Orunmilá. Longevidade, fugindo, também
foi se juntar a paciência.
Quando Igun chegou ao Orun, Olodumare lhe
perguntou onde estavam as três cabaças restantes. Igun lhe respondeu que
viera para contar a Olodumare que todas as cabaças haviam voltado para
ficar junto com Paciência na casa de Orunmilá, e que estava planejando
retornar ao aye para buscá-las e trazê-las de volta ao Orun.
Olodumare
lhe disse que ele não precisava ir buscar as três cabaças, pois de fato,
todas as bênçãos que continham pertencem a quem escolher Paciência.
Quem tiver Paciência terá Longevidade, Fertilidade. Procriará e viverá
bem com o que procriar adquirindo também a riqueza.
Assim tudo
transcorreu bem com Orunmilá que, com essas graças, veio a ser Rei de
Ketu. Procriou e viveu bastante com esses ires. Orunmilá adquiriu tanta
riqueza que construiu casas pelo mundo inteiro.
Feliz por suas
conquistas. Orunmilá montou em seu cavalo e cantou: “Recebi o ado(8) da
riqueza! Recebi o ado Fertilidade! Recebi o ado da Longevidade! Oh!
Recebi o ado da paciência”!
Dançou e alegrou-se. Louvou seus adivinhos e
louvou também a Exu, o seu grande amigo.
INTERPRETAÇÃO: A Paciência é a
maior das virtudes. Sem ela não haverá sabedoria, nem riqueza, nem
felicidade, nem longevidade. É com o exercício da paciência que o homem
sábio conquista todas as boas coisas da vida.
Fonte: Luiz Carlos de Osala